sábado, 31 de outubro de 2015

Preciso de pessoas

Preciso de pessoas
De todos os tipos
De todas as cores

Preciso de brancos, preciso de negros,
De amarelos, de pardos 
Preciso de gente feliz, otimista
Preciso de gente frustrada, depressiva
Preciso de pessoas sinceras,transparentes
Preciso de pessoas mascaradas, sedentas de alguém 
que as descubra para além da superfície

Preciso de gente que precise de mim
Preciso de gente que eu precise
Preciso de pessoas que me façam feliz
Preciso de pessoas que me frustrem

Preciso precisar
Preciso de pessoas
que me precisem.
Ser preciso é precisar, precisar de gente
Precisar de ser gente


Julia Lima

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A legitimidade de amar

        Me disseram uma vez: "Não há espaço para o amor nos dias de hoje" e eu quase me deixei levar por esse argumento.
        Realmente, encontrar o amor ou alguém que esteja disposto a amar atualmente é difícil, no entanto, afirmar que ele não existe, além de errado e depressivo, é impensável. A verdade é que confundimos o que é amor. Estar interessado, não é amor; se apegar, não é amor; estar apaixonado, não é amor. Mas, então, o que ele é? 
        Amor é sinônimo de compaixão, porém nós, como seres humanos limitados, o confundimos com paixão. A paixão é momentânea, passageira, efêmera e cega, quando nos apaixonamos vemos o melhor na pessoa, aliás, somente o melhor. A compaixão é constante, fundamentada e possui os olhos bem abertos, quando amamos vemos o melhor na pessoa, mas, principalmente, o que há de pior. Apesar disso, escolhemos amá-la, não pelas qualidades ou defeitos, mas por simplesmente zelar por ela e querer que ela alcance, ou até supere, o seu melhor.
        Há vários tipos de amor: o amor romântico, o amor fraternal, o amor espiritual (para os religiosos), dentre outros tipos. Cá entre nós, o amor romântico me desanima, este sim falaria, com certeza, que não há espaço para ele atualmente. Apelo aqui não para os tipos de amor anteriormente citados, e sim para o tipo legítimo de amor. Legitimar o amor é colocar a solidariedade à frente e alicerçar muito bem o seu potencial de perdão. Amar não é pensar "não estou sendo beneficiado nesta relação", mas sim "o que posso fazer para te ajudar a se beneficiar?". Amar legitimamente não é fácil e é dom para poucos, me arrisco a afirmar que fraco é aquele que ama romanticamente.
        O amor legítimo é um tipo capaz de ir além da moral, ele é apto para perdoar erros que socialmente se dariam como imperdoáveis. Agora, pergunto ao caro leitor: há espaço para esse tipo de amor hoje? Claro, e está até em falta. Já vou adiantando também àquele que lê que legitimar o amor é um trabalho árduo, poucos aceitam o desafio, muitos preferem o comodismo do amor romântico. No entanto, uma coisa posso garantir, não há alegria maior e dor maior do que legitimar. O legítimo é paradoxal e incoerente, mas é engraçado como tais palavras definem e se encaixam perfeitamente na definição do ser humano. 
        Posso deixar um último conselho? Ame, legitime, se humanize


Julia Lima
    

domingo, 13 de setembro de 2015

A vida por um fio

        A vida não está por um fio, ela é o próprio fio. Criamos a ilusão de que há vários fios que representam a vida e, quando ela se aproxima do fim, os fios vão se acabando até que reste somente um e, uma vez estourado, a vida se esvai. Porém, tal visão é equivocada.
        Como colocamos anteriormente: a vida é o próprio fio. Uma única oportunidade repleta de especificidades, estas que garantem ao fio um verdadeiro e peculiar sentido. As frustações também fazem parte desta oportunidade: eu só delimito meus momentos de alegria se eu sei o que são os momentos de fraqueza e já tiver passado por eles. Ou seja, eu delimito minha alegria na tristeza.
        Serei franca, a vida vai te decepcionar e muito. Mas, caro leitor, é nesses momentos que encontramos o sentido de permanecer vivo. Ser feliz, diferentemente do que muitos pensam, não é alcançar metas, possuir um bom emprego, constituir uma família – embora estas ajudem o ser humano em seu “fio”. Ser feliz é achar brechas/pequenos momentos de alegria onde ninguém acha e mais feliz é aquele que se surpreende ao achar essas brechas onde nem ele mesmo imaginava que acharia.
        Agora, se quiser ser feliz de forma legítima, não espere que as pequenas brechas apareçam: as crie. Feliz aquele que é capaz de “desfiar” a sua própria vida e fazer dela uma oportunidade para incontáveis brechas.


Julia Lima

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Desenférrujar

        Falar de dinheiro dentro da Igreja não é fácil, requer muito zelo e cautela. Não acredito que, como cristãos, não devamos falar de dinheiro, muito menos falar exageradamente. O debate se faz necessário e o saber debater também. Porém, há discursos dentro da Igreja que não me agradam: são carregados de intenções e interesses, tornando seu fundamento superficial e ilegítimo. Há ainda aqueles executados em forma de pregação, seguidos de um apelo ao final, o qual estimula o membro a ofertar e dizimar, pois se sentiu tocado emocionalmente com tal palavra. Pregações indutivas não me tocam, me cansam.
        Não é meu intuito aqui obrigar os caros leitores a entenderem que tais atitudes são erradas e não devem ser feitas, mas apenas deixar claro que eu não concordo. Hoje, a mentalidade igrejista entende o dízimo como uma obrigação, "os 10% de todo o mês" ou " o meu dever para com o Senhor". Exteriorizamos nossa oferta a uma estrutura que necessita de quem a sustente: a Igreja; no entanto, nem sempre foi assim. Em vista do cristianismo primitivo, a oferta dada pelos cristãos era coletada e distribuída àqueles que muito pouco ou nada tinham, de forma que estes irmãos fossem ajudados e que todos pudessem se encontrar em igual situação, assim, um não se prevaleceria sobre o outro. Era uma prática interessante, pois potencializava o amor, convívio e a preocupação com o próximo, contudo, difícil de ser executada nos dias de hoje.
        O dízimo é pautado na oferta, esta que deve ser entregue em benefício do próximo. A oferta é espontânea, sincera e revela a sensibilidade do cristão quanto à Palavra. O dízimo também é uma consequência da oferta, caso o indivíduo queira tornar tal exercício uma prática constante, que fique à vontade. Agora, a oferta/dízimo se resume ao dinheiro? De forma alguma. Acima de tudo, o dízimo é estar disposto à amar e ajudar o próximo. Dessa forma, dar comida àquele que passa fome é dízimo, cobrir àquele que passa frio na rua é dízimo, ajudar o enfermo é dízimo, chorar com o que chora é dízimo, se alegrar com o que se alegra é dízimo... Tal entendimento se faz essencial para aqueles que desejam viver o verdadeiro evangelho.
        Portanto, caros, que não nos apeguemos ao imaginário automático que nos calcifica e acomoda. E, menos ainda, aceitemos o que nos falam sem questionar a veracidade de tal discurso. Que, antes, debatamos e busquemos a verdadeira compreensão baseada nos princípios da Bíblia, ou seja, que nos voltemos a mensagem que nela há e não a doutrina a qual é interpretada por nós. O Deus que me toca é O que pode ser pensado, jogado contra a parede, moído, questionado e racionalizado. Caso contrário, qual a graça de se ter fé?


Julia Lima

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Auto-amor em prática

"Amar, amar você até você se amar, e me amar" (Calma - Jorge e Mateus)

        Não, não é o amor de uma cara por você que fará você se amar. Sejamos sinceras. O "amar a si mesmo" é um potencial o qual todos nós possuímos, e este deve se materializar em característica. Não confunda com o egoísmo ou o egocentrismo, são coisas diferentes. Vejo o "auto-amor" como um privilégio, nem todos tem essa capacidade. Se você não se ama, recomendo que não ame alguém, é melhor evitar transtornos. 
        Uma vez que não há auto-amor, como amar o próximo? Pois isso acontece, e muito. A pessoa que não se ama transfere a necessidade de auto-amor para o companheiro, e cria sua identidade no próprio. Assim, o relacionamento se torna uma relação de dependência identitária, e quando isso ocorre temos certeza que não é amor autêntico, mas sim um intenso apego. Antes de pensar em amar alguém, se pergunte: "Eu realmente me amo?", pois o amor deve somar e não hibridizar. 
      Outras duas coisas ainda desejo pontuar: primeira, não existe "O cara certo", parem com esse fetiche. É preciso ser a pessoa certa - e nisso entra o "se amar" -, dessa forma, vícios como "ele não é o cara certo", "estou esperando pelo O cara" ou ainda "ele não é meu príncipe encantado" desaparecerão aos poucos do seu pensamento. Se você busca ser a pessoa certa pra alguém que busca o mesmo, o restante se torna certo. 
      Segundo, não contaram a história do príncipe encantado direito pra vocês. Conhecemos o clássico: a menina cheia de expectativa espera na janela de seu quarto o príncipe encantado, o qual virá em cima de um cavalo branco. Porém, o buraco é mais embaixo. Existe um príncipe? Sim. Virá em um cavalo branco? Claro. No entanto, enquanto ele estiver indo ao seu encontro todo galopante em seu cavalo, ele se desequilibrará, cairá do cavalo, esfolará a cara no chão e o cavalo pisará em cima dele. O que chegará em sua janela? O cavalo. E então você tem que decidir: escolherá esperar até que cavalo chegue a você ou sairá de sua confortante casa em direção ao príncipe que necessita de seus cuidados? Eu correria atrás do príncipe com um kit de primeiros socorros em mãos. Não vejo espaço para o comodismo que opta pelo cavalo numa história de amor.
        Ao se amar, você estará zelando por si e, consequentemente, pelo outro. Se ame, ame o próximo, se relacione. Escolha o príncipe desconfigurado e não o cavalo impecável. Temos a tendência de achar que o princípio de um bom relacionamento é o amor, mas o verdadeiro ponto de partida é o auto-amor.



Julia Lima

domingo, 5 de abril de 2015

Me perdoe a franqueza...

          Me perdoe a franqueza, mas falo de algo que presencio.
          Na Igreja existem as "famílias nobres", as quais acreditam ser donas da mesma. Querem opinar em tudo: nas ações da Igreja, nos grupos ministeriais, alguns querem até mudar o sermão dado pelo Pastor no Domingo. O interessante é que essa noção de poder nunca lhes foi concedida, ela é construída no imaginário daqueles que se acham "santos" o suficiente para julgar o próximo - ainda que só abram a Bíblia para lê-la aos Domingos.
          Não vejo a hipocrisia como um problema na comunidade cristã, afinal, não somos Deus e já está passando da hora de admitirmos isso. Eu já admiti. Não somos "Super-cristãos", caros, vamos descer do palquinho. O cristão legítimo deve entender que é um errante em obras, que busca pelo aprimoramento tendo como referencial Cristo. Se partirmos dessa noção, seremos muito mais respeitados quando dissermos: "sou cristão".
         Em um Domingo de Páscoa, cabe a mim relembrar o seu verdadeiro significado: a ressurreição de Jesus Cristo. Ressureição esta que demonstrou amor, misericórdia e graça para com a humanidade. Ao caro leitor não cristão, meu intuito não é convertê-lo, porém deixar claro que cristianismo autêntico é isso e não o que demonstram por ai. Dessa forma, que comemoremos a ressurreição, pois a promessa foi cumprida e o nosso Senhor vive!
          Pra terminar, deixo o desafio aos caros leitores cristãos de estudarem a Bíblia, mas não pra falar "Eu li a Bíblia inteira 2 vezes", cristãos autênticos não fazem isso. A autenticidade se encontra no ato de degustar a Palavra de Deus, como um bom vinho. Quando aprenderem a fazer isso, não irão querer voltar ao comodismo. Agora, à nobreza igrejista, deixo o desafio de se livrar dos vícios e automatismos igrejistas (uau, que desafio!), chega de manchar a mensagem da morte e ressurreição com esse tipo de estereótipo. Desejo-lhes um bom trabalho.
          E, mais uma vez, me perdoem pela franqueza, mas... Feliz Páscoa!
  
                                                                  Julia Lima

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Questionar é validar

"O linguajar da religião afasta nosso entendimento da verdade sobre Deus."¹
        Muito me impressiona o quanto as igrejas evangélicas, atualmente, colaboram para o próprio estereótipo criado acerca delas. Os automatismos doutrinários, o imaginário ossificado, os preconceitos ainda presentes que perpetuam nos ares das igrejas. Diante de tal conjectura, me cabe perguntar: Ser cristão se resume a isso?
        Cristão é aquele que segue a Cristo, ponto. "Ah, mas isso era na época de Jesus, pois aquele que largava suas coisas para seguir Cristo foi denominado pelo povo como cristão". Tá, empreguemos isso hoje: cristão é aquele que toma Jesus como referência por quem era e pelo o que pregava, o admitindo como o próprio Deus. "Ai meu Deus, então eu sou cristão!". Pois é, querido... Surpresa.
        Para a comunidade, afirmo que temos falhado em ser referência. Ao invés de somente fazer atividades voltadas para a igreja, deveríamos fazer atividades voltadas para o convívio social. Ao invés de julgar a pessoa, deveríamos passar um dia a seu lado, ouvindo sua história de vida e a partir daí, a compreenderíamos. Ao invés de somente ouvir a palavra nos cultos, deveríamos estudar a Bíblia e tirar nossas próprias conclusões a respeito. Engraçado como a Bíblia é o livro mais vendido no mundo e o menos lido. Se tirássemos um tempo do nosso dia para estudá-la, acredito que já eliminaríamos de cara muitos defeitos de nossa comunidade.
        Para os caros leitores não-cristãos, peço desculpas em nome da comunidade cristã. Por vezes, nos apresentamos despreparados e mimados por automatismos que nos corroem. Erramos tentando acertar, mas também há momentos que acertamos porque erramos.
        Apesar das insatisfações diversas, estimados leitores, uma coisa que não largo é minha fé, o que é interessante. Bráulia Ribeiro uma vez afirmou "Tem até gente de fé que diz que não devemos perguntar muito, que fé é uma espécie de salto no escuro. Bobagem. Fé verdadeira é um passo num clarão muito claro". Você tem fé, mas tem dúvida? Ótimo! Essa é a característica base da fé. Questione, indague, erre, acerte. Tal processo é o que legitima sua fé. Melhor ser um questionador errante do que um cego cumpridor de ordens.


                                                                                                                                 Julia Lima

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¹ RIBEIRO, Bráulia. Tem alguém aí em cima? Viçosa, MG. Editora Ultimato, 2013.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

E viveram reinventados para sempre!

        Era uma vez a Bela Adormecida que foi beijada pelo seu príncipe e, depois que acordou - com um bafo de anos -, eles se beijaram e viveram felizes para sempre. Era uma vez a Rapunzel que possuía longos, lindos e "bem cuidados" cabelos - definitivamente cheio de piolhos; foi beijada pelo seu príncipe e eles viveram felizes para sempre. Era uma vez a Cinderela que 1º) perdeu o sapatinho de cristal 2º) o príncipe saiu à procura da dona do sapatinho 3º) ela era a única em toda a região que tinha o pé do tamanho do sapato - quanta sorte!. E, claro, eles viveram felizes para sempre.
        Muito me impressiona o fantástico e o inalcançável presente nos "contos de fadas". Elementos que passam a ideia de um final perfeito, sem circunstâncias, acidentes, arrependimentos ou frustrações. Enganamos bem nossas crianças. Cria-se, então, o imaginário do final feliz, o qual nos prende à expectativa do momento em que seremos realmente felizes. Esquecemos, pois, de um importante e implícito elemento: o processo.
        "Finais felizes" são tediosos, maçantes, monótonos e insatisfatórios. A felicidade legítima se encontra no processo de ser feliz. Um processo, com toda certeza, marcado por sofrimentos, caos, aborrecimentos, amores imperfeitos e perdas. A questão é que não fomos preparados pra momentos como esses, e fica evidente que as histórias infantis também não exercem essa função. No entanto, seria melhor se fôssemos treinados para o imponderável? Uma visita surpresa de alguém que você estima muito, um beijo roubado, a notícia de que será pai, presenciar primeiros passos de um pequenino, ver a felicidade nos olhos de um senhor ao entrar pela primeira vez no mar. Se fôssemos adestrados a lidar com os momentos de caos, também seríamos adestrados a lidar com os momentos de prazer. E, por favor, qual seria a graça de viver assim?
        Por isso, quando eu for mãe, contarei histórias aos meus filhos, como qualquer boa mãe. Elas começarão com o "era uma vez" e não terminarão, todo dia haverá uma continuidade, a qual será criada por eles próprios. E o imponderável? Serei eu. Em meio ao processo criativo, elaborarei circunstâncias para que as crianças se induzam a recriar seu processo. Se tal dinâmica dará certo? Não sei... Só sei que não será nem um pouco tedioso, maçante, monótono e insatisfatório.
        O melhor "final feliz" é aquele que pode ser constantemente reinventado. 


                                                                                                                                 Julia Lima