quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Gramática (Norm[a)tiva]

Queria ser sujeito e dominar a minha ação,
Queria ser predicado e qualificar algum sujeito.

Ansiava ser adjunto adverbial e circunstanciar intensiva e exaustivamente,
Ansiava ser aposto (auto)explicativo, apesar de ansiar mais ser aposto especificativo.

Já me resumi à um (s)implícito vocativo.
Já indeterminei o sujeito de uma oração - quando não a deixava sem.

Tentei ser objeto direto, mas qual é a graça de não haver uma preposição como obstáculo?
- Me tornei indireto.

Me submeti passivamente a ser agente,
E em meio a isso, esqueci o significado de "a gente".

Até que um dia desisti.
Desisti de me minimizar a padrões.
Resolvi ser tudo isso,
Virei polissemia.

                                                                                                               Julia Lima

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A Entrega à Disposição

Inteirar-se de si a partir do outro
não por fado ou encargo
mas por escolha
 
Encontrar no outro a disposição
de se apresentar disposto
E completar em si a disponibilidade
de estar indisponível
 
Confiar na confiança que o outro conserva no dual
é pluralmente confiar em si
Ser plural é ser disposto
Ser disposto é se entregar
 
Se entregar é amar? Não.
Amar é estar disposto a se entregar
O Amor é disposição.
 
                                                               Julia Lima
 


sábado, 28 de junho de 2014

A proximidade entre o padecer e o prosperar

        Recentemente aprendi uma coisa: permita-se sofrer.
        A percepção de sofrimento que se constrói é a mais refutada possível, e com razão. Construímos um mundo rodeado de fatos e feitos que nos alegrem, nos engrandeçam e que nos possibilite a fuga de nossas inseguranças, por mais banais que estas sejam. No entanto, devemos nos obrigar a passar pelo sofrimento. Caso contrário, criaremos um imaginário idealizado, o qual nos proporcionará uma visão fantástica e virtual daquilo que estamos vivenciando.
        Assim como no Romantismo (1ª Geração), apesar de seu contexto de delimitação da classe burguesa e da classe operária, este ficou marcado pela produção poética nacionalista e idealista, além de ser voltada para a classe dominante, apresentava, agora, um herói nacional resgatado do remoto:  o índio. Talvez o caro leitor chegue à conclusão de que esta foi uma ótima escolha e, evidentemente, teria sido, se tal herói fosse constituído no período ascendente à "descoberta" do Brasil (pois, segundo a didática, os índios são entrelaçados a tal período, como se sua identidade dependesse da suposta "descoberta" dos portugueses, mas não, essa ultrapassava e ultrapassa a visão etnocêntrica). Contudo, ao partir do fundamento contextual romântico, é inegável a discordância e insatisfação literária com relação ao herói da nação, pois, em meio à distinção de classes socias e a prevalência de apenas uma, a qual possuía uma literatura voltada apenas para a mesma e seu propósito ideológico, como ainda ansiar pelo índio para representar sinteticamente a realidade brasileira? Dessa forma, cutuquemos a ferida: a busca do herói ideal mascarou a efetiva realidade nacional contundida de desigualdades, incoerências e lutas. Do mesmo modo, tal opção proposital de fuga, simboliza o já citado anteriormente: a necessidade de se evitar o sofrimento a qualquer custo, seja por razões justas ou impostas.
        À vista disso, devo ressaltar que evitar a aflição não resulta a nada, somente enfatiza a universal capacidade do ser humano de ser incapaz de superar suas vozes interiores. Nesse sentido, viver o sofrimento é doloroso e angustiante, mas é a única maneira de sararmos as feridas que nos são agregadas no decorrer da nossa jornada. Para mais, a aflição nos acarreta um oceano de contrariedades internas que nos levam a compreender e conceituar, à nossa maneira, o que é "penar", e, somente assim, saberemos conceituar também aquilo que é bom, agradável e favorável. Ou seja, para que reconheçamos o prazer, é preciso que antes passemos pelo sofrimento e todo o seu lento processo. Por isso, caro leitor, não tenha medo de sofrer, pois, posteriormente, se tornará significativamente grato ao que se passou.
 
                                                                                                                                Julia Lima

domingo, 8 de junho de 2014

A despercebida falha da Utopia

       Aquilo que é utópico me desagrada. O constantemente inalcançável me desmotiva. Afinal, por que desejar o idílico, e depositar sua energia na conquista desse, se há um mundo a sua volta repleto de imperfeições apenas esperando algum destemido que lute em prol das mesmas? A resposta se encontra no escapismo. Nós, como fracos humanos, não suportamos todas as imperfeições que presenciamos e vivemos (e na maioria das vezes, as nossas próprias), devido a isso, transferimos a realidade para um mundo criado por nós, fantasioso e irreal, o qual, tendo em vista nossa incapacidade, se demonstra como um todo perfeito.
        No entanto, o perfeito precisa ser necessariamente ideal ou utópico? A perfeição não pode estar simplesmente em sua antítese, a imperfeição? A maioria das pessoas considera a palavra "perfeito" como algo incontestável - "o que é perfeito basta" - mas não concluem que o "perfeito" é apenas uma tese e o "imperfeito" sua antítese. Quem sabe Friedrich Hegel concordasse com o meu exemplo. Da tese e da antítese, resultam a síntese, contudo, o que surgiria da perfeição contradita pela imperfeição? A síntese de tal mistura, meu caro leitor, é você quem define.
        Portanto, "seria a perfeição uma utopia?" Não. "Seria a minha definição de perfeição uma utopia?" Talvez. Mas, logo adianto meu ponto de vista: Não há nada de mais perfeito do que imperfeições se unindo em busca de algo maior. O perfeito considerado idílico e utópico é chato, tedioso, imóvel e, por mais que não aparente, extremamente falho.

                                                                                                                                Julia Lima

domingo, 1 de junho de 2014

A suficiente insuficiência do ser poético

    De inspiração o poeta é feito e da inspiração se torna refém.
    Afinal, no que se consiste a mesma?

    É como a porosidade da pele
    que, uma vez abusada pela inflamação,
    Expele aquilo que, verdadeiramente, há por dentro?    
    Ou é como os livros que
    Quando abertos, revelam um mundo fantástico e idílico,
    O qual se finda com o término da leitura?
    Ou será como a discussão de Heráclito e Parmênides acerca do devir,
    A qual se eternizou por gerações?

    De todas as incertezas, uma eu afirmo:
    A potencialização do poeta provém do questionamento,
    Da antítese
    Do "perder-se" em si
    Da epifania
    Da contradição
    Da ambiguidade    
    A inspiração poética vem do "ser", ou melhor,
    da insuficiência do ser.

    O ser em sua completude, não gera movimento.
    Antes o insuficiente que tende a ser preenchido,
    do que a completude que tende a se esvair.

                                                                                              Julia Lima
     

sábado, 24 de maio de 2014

A particularidade como incômodo

        A beleza perdeu o seu real sentido. Hoje, esta é atrelada às palavras "padrão" e "senso comum", as quais desqualificam exacerbadamente o conceito de beleza. Aliás, me atrevo a me contradizer (afinal, o ser humano é ao mesmo tempo ambíguo e contraditório):  não existe conceito na ou para a beleza, pois ela não pode ser simplesmente delimitada a um mero conceito. O caro leitor deve estar se perguntando: a beleza é, então, a diversidade? Não, dizer isso seria, mais uma vez, cair no senso comum. A beleza é criação. O significante ato de criar é o que decodifica a beleza. "Mas criar o quê?", a particularidade. Isso é uma das coisas que me fascina na mente humana, a capacidade individual de criar um modelo particular de beleza. Aquilo que é belo pra mim, pode não ser pra você e aquilo que é belo pra você, pode não ser pra ele. Seguindo essa forma de pensamento, a beleza se eternizaria, pois toda particularidade teria o seu admirador. Mas não, a sociedade precisa encontrar uma forma de tornar a particularidade obsoleta, criando padrões que se transformam sucessivamente e repentinamente. Contudo, a pior parte é que nós nos aderimos a esses padrões, desmerecendo, assim, o nosso potencial de criação e a nossa própria particularidade humana. Dessa forma, não somos mais criadores, e sim seguidores sustentando nosso lixo em prol do "status social". Portanto, meu caro leitor, uma dica que deixo, com zelo: não caia no senso comum de ser comum, o belo é o particular e o particular é o autêntico. A beleza se caracteriza pela excentricidade, pelo esquisito, pela irregularidade e, na maioria das vezes, pelo incômodo. Seja esse incômodo, seja belo.


                                                                                                                      Julia Lima

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Dualidade Espiral

    Espiras Encaracoladas,
    quanto mais as vejo, mais me fascino.
    Sorriso cativante,
    faz de minha razão seu domínio.

    Odeio a dualidade de seu pensamento
    e a falta de premissas sobre o ser
    pelo qual me rendo.
    O que me liga a você são as espiras,
    aquelas sim, fiéis para toda a vida.
    Você, no entanto, me leva à ira,
    ao desespero,
    ao pranto,
    ao meu travesseiro.

    Sou forte, afirmo.
    Sou fraco, reprimo.

    Oh, minhas espiras!
    Tão minhas quanto minha razão.
    Oh, meu amor!
    Tão meu quanto uma estrela na mão.

                                              Julia Lima

sábado, 10 de maio de 2014

Angélica

    Lá está ela, dormindo em sua cama
    Sempre com o seu urso de pelúcia:
    O charme de uma criança.

    Suas pernas encurvadas
    Revelam os finos e discretos pelos.
    Sua curvatura estontuosa,
    enfatiza meu desejo.

    Os lábios entreabertos sugerem um convite.
    Mas, sei que se a beijasse, aqui e agora,
    apenas aguçaria meu apetite.

    Contudo, não posso toca-la, nem senti-la.
    Sou tese e não antítese.
    Não há como negar:
    Sou designado para isso, fui feito para isso.

    A dourada auréola me confirma.
    A proteção obsessiva me reluz.
    A aconchegantes asas me reafirmam
    aquilo que eu aprendi com a Luz.

    Tese e não antítese,
    sou afirmado e não negado.
    Tese
    Tese
    Tese
    Porém, o que seria a vida sem o escapismo da síntese?


                                                                        Julia Lima

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Independência Arciforme

    Sonetos e suas linearidades
    mistos ao superficialismo da descrição
    de nada revelam, estarrecidos em si
    Equivalem ao perfeito decassílabo
    erroneamente desejado,
    ao olhar escorrido nunca firmado.

    A tortuosidade dos versos livres
    a firmeza flexível da arte engajada
    equivalem ao olhar ansiado,
    prudentemente encoberto pelas próprias espirais
    que, quando revelado,
    transforma o mundo ourivesado.

    Como não notar a sua diversidade circundante?

    E ainda há aqueles que creem 
    que a derrapante capiliformidade 
    seja superior às espiras encaracoladas.



                                               Julia Lima