sábado, 4 de janeiro de 2020

Sátira à intensidade

Àquela que nos faz sentir sem ponderar
Que nos faz iludir sem a garantia do apalpar
Um sonho que nos leva pro mais infinito
e nos distancia do terreno

A intensidade desafia a gravidade!
Nos faz flutuar apaixonados sem nem imaginar
a queda a qual certamente nos aguarda
De tão ingênuos caímos em suas promessas
e alimentamos nossos delírios mais recônditos do ser

Por que então, caros, sermos intensos
se apegados à realidade podemos nos fixar?
Poderia o realístico um poema como esse potencializar?
Poderia eu escrevê-lo sem deixar pela intensidade poética me levar?

A própria sátira à intensidade é intensa
Hipocrisia é a minha odiar a intensidade
se é ela que move meu ser poético
Hipocrisia maior é satirizar a intensidade
devido a um coração intensamente partido.


                                                                                                                                Julia Lima
Imensidão Oceânica de mim

Imensidão oceânica de mim
Tento controlá-la desenfreadamente
Em minhas mãos, do meu jeito, sob a minha ordem
E ela ri escancaradamente das minhas falhas tentativas

É como despejar uma porção de areia no balde da praia
e fazer seu castelo ali mesmo
Mas aí lhe pergunto: fazemos castelos de areia em baldes?

A graça é utilizar a imensidão da areia a seu favor
usar a água salgada da praia para melhor moldar seu castelo
Sair em busca das mais variadas conchas para enfeitá-lo
E deixar que o vento natural da maré o seque

Então por que nós, seres humanos
queremos tudo em nossa vida controlar?
Se nem amanhã encontro garantia em respirar?

Que façamos nossos castelos na imensidão
das incontáveis areias da praia
Submetendo-nos à natureza e seu inexplicável fluxo natural
Não há sentido em se contentar com a limitada caixa de areia
uma vez que se tem a praia inteira como possibilidade de construção

Imensidão oceânica de mim,
Não mais te controlar irei
Devo, pois, ser induzida pelo seu fluxo
Ornamentando-me com o que eu achar no caminho
Ao sentir a brisa da sua condução
Construir-me-ei em constante desconstrução.

                                                                                                                                Julia Lima

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Desculpe o transtorno, preciso falar da chuva

Eu estudava em meu quarto quando a ouvi. Não sabia bem como reagir, a esperava havia tempos. Era uma espécie de epifania enrustida de estranheza e exaltação: como controlar tais sensações? Larguei meus estudos. Corri. Fui até a varanda da casa e a encontrei. Senti seu toque suave e úmido em minha pele, a sensação vívida do limiar entre meu corpo e aquele pedaço de universo me inundando inteira. Esqueci daquilo que me afligia por um momento, esqueci de mim. Mas me lembrei da essência, aquela que há em todos nós, mas que está enclausurada pela correria da rotina. Por que a mantemos prisioneira e a alimentamos? Por que perdemos momentos únicos como a sensação de nos confundirmos com a chuva a ponto de não nos delimitarmos por máscaras ou estereótipos sociais como é colocado em nossa rotina? Precisamos desses momentos. Me nego a dizer que são como "escape" e ouso colocá-los como uma experiência da nossa alma, experiência essa que temos deixado em segundo plano. Caro leitor, me atrevo a lhe lançar um desafio: quando vir a chuva, pare o que está fazendo e a experimente. Uma sensação inigualável, uma quebra de rotina necessária, uma renovação da alma, uma epifania através dos resquícios daquilo que não nos é possível conhecer... Feliz aquele que se entrega a experimentação da natureza, a qual foi esquecida há tempos por nós: espécie humana.

sábado, 31 de outubro de 2015

Preciso de pessoas

Preciso de pessoas
De todos os tipos
De todas as cores

Preciso de brancos, preciso de negros,
De amarelos, de pardos 
Preciso de gente feliz, otimista
Preciso de gente frustrada, depressiva
Preciso de pessoas sinceras,transparentes
Preciso de pessoas mascaradas, sedentas de alguém 
que as descubra para além da superfície

Preciso de gente que precise de mim
Preciso de gente que eu precise
Preciso de pessoas que me façam feliz
Preciso de pessoas que me frustrem

Preciso precisar
Preciso de pessoas
que me precisem.
Ser preciso é precisar, precisar de gente
Precisar de ser gente


Julia Lima

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A legitimidade de amar

        Me disseram uma vez: "Não há espaço para o amor nos dias de hoje" e eu quase me deixei levar por esse argumento.
        Realmente, encontrar o amor ou alguém que esteja disposto a amar atualmente é difícil, no entanto, afirmar que ele não existe, além de errado e depressivo, é impensável. A verdade é que confundimos o que é amor. Estar interessado, não é amor; se apegar, não é amor; estar apaixonado, não é amor. Mas, então, o que ele é? 
        Amor é sinônimo de compaixão, porém nós, como seres humanos limitados, o confundimos com paixão. A paixão é momentânea, passageira, efêmera e cega, quando nos apaixonamos vemos o melhor na pessoa, aliás, somente o melhor. A compaixão é constante, fundamentada e possui os olhos bem abertos, quando amamos vemos o melhor na pessoa, mas, principalmente, o que há de pior. Apesar disso, escolhemos amá-la, não pelas qualidades ou defeitos, mas por simplesmente zelar por ela e querer que ela alcance, ou até supere, o seu melhor.
        Há vários tipos de amor: o amor romântico, o amor fraternal, o amor espiritual (para os religiosos), dentre outros tipos. Cá entre nós, o amor romântico me desanima, este sim falaria, com certeza, que não há espaço para ele atualmente. Apelo aqui não para os tipos de amor anteriormente citados, e sim para o tipo legítimo de amor. Legitimar o amor é colocar a solidariedade à frente e alicerçar muito bem o seu potencial de perdão. Amar não é pensar "não estou sendo beneficiado nesta relação", mas sim "o que posso fazer para te ajudar a se beneficiar?". Amar legitimamente não é fácil e é dom para poucos, me arrisco a afirmar que fraco é aquele que ama romanticamente.
        O amor legítimo é um tipo capaz de ir além da moral, ele é apto para perdoar erros que socialmente se dariam como imperdoáveis. Agora, pergunto ao caro leitor: há espaço para esse tipo de amor hoje? Claro, e está até em falta. Já vou adiantando também àquele que lê que legitimar o amor é um trabalho árduo, poucos aceitam o desafio, muitos preferem o comodismo do amor romântico. No entanto, uma coisa posso garantir, não há alegria maior e dor maior do que legitimar. O legítimo é paradoxal e incoerente, mas é engraçado como tais palavras definem e se encaixam perfeitamente na definição do ser humano. 
        Posso deixar um último conselho? Ame, legitime, se humanize


Julia Lima
    

domingo, 13 de setembro de 2015

A vida por um fio

        A vida não está por um fio, ela é o próprio fio. Criamos a ilusão de que há vários fios que representam a vida e, quando ela se aproxima do fim, os fios vão se acabando até que reste somente um e, uma vez estourado, a vida se esvai. Porém, tal visão é equivocada.
        Como colocamos anteriormente: a vida é o próprio fio. Uma única oportunidade repleta de especificidades, estas que garantem ao fio um verdadeiro e peculiar sentido. As frustações também fazem parte desta oportunidade: eu só delimito meus momentos de alegria se eu sei o que são os momentos de fraqueza e já tiver passado por eles. Ou seja, eu delimito minha alegria na tristeza.
        Serei franca, a vida vai te decepcionar e muito. Mas, caro leitor, é nesses momentos que encontramos o sentido de permanecer vivo. Ser feliz, diferentemente do que muitos pensam, não é alcançar metas, possuir um bom emprego, constituir uma família – embora estas ajudem o ser humano em seu “fio”. Ser feliz é achar brechas/pequenos momentos de alegria onde ninguém acha e mais feliz é aquele que se surpreende ao achar essas brechas onde nem ele mesmo imaginava que acharia.
        Agora, se quiser ser feliz de forma legítima, não espere que as pequenas brechas apareçam: as crie. Feliz aquele que é capaz de “desfiar” a sua própria vida e fazer dela uma oportunidade para incontáveis brechas.


Julia Lima

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Desenférrujar

        Falar de dinheiro dentro da Igreja não é fácil, requer muito zelo e cautela. Não acredito que, como cristãos, não devamos falar de dinheiro, muito menos falar exageradamente. O debate se faz necessário e o saber debater também. Porém, há discursos dentro da Igreja que não me agradam: são carregados de intenções e interesses, tornando seu fundamento superficial e ilegítimo. Há ainda aqueles executados em forma de pregação, seguidos de um apelo ao final, o qual estimula o membro a ofertar e dizimar, pois se sentiu tocado emocionalmente com tal palavra. Pregações indutivas não me tocam, me cansam.
        Não é meu intuito aqui obrigar os caros leitores a entenderem que tais atitudes são erradas e não devem ser feitas, mas apenas deixar claro que eu não concordo. Hoje, a mentalidade igrejista entende o dízimo como uma obrigação, "os 10% de todo o mês" ou " o meu dever para com o Senhor". Exteriorizamos nossa oferta a uma estrutura que necessita de quem a sustente: a Igreja; no entanto, nem sempre foi assim. Em vista do cristianismo primitivo, a oferta dada pelos cristãos era coletada e distribuída àqueles que muito pouco ou nada tinham, de forma que estes irmãos fossem ajudados e que todos pudessem se encontrar em igual situação, assim, um não se prevaleceria sobre o outro. Era uma prática interessante, pois potencializava o amor, convívio e a preocupação com o próximo, contudo, difícil de ser executada nos dias de hoje.
        O dízimo é pautado na oferta, esta que deve ser entregue em benefício do próximo. A oferta é espontânea, sincera e revela a sensibilidade do cristão quanto à Palavra. O dízimo também é uma consequência da oferta, caso o indivíduo queira tornar tal exercício uma prática constante, que fique à vontade. Agora, a oferta/dízimo se resume ao dinheiro? De forma alguma. Acima de tudo, o dízimo é estar disposto à amar e ajudar o próximo. Dessa forma, dar comida àquele que passa fome é dízimo, cobrir àquele que passa frio na rua é dízimo, ajudar o enfermo é dízimo, chorar com o que chora é dízimo, se alegrar com o que se alegra é dízimo... Tal entendimento se faz essencial para aqueles que desejam viver o verdadeiro evangelho.
        Portanto, caros, que não nos apeguemos ao imaginário automático que nos calcifica e acomoda. E, menos ainda, aceitemos o que nos falam sem questionar a veracidade de tal discurso. Que, antes, debatamos e busquemos a verdadeira compreensão baseada nos princípios da Bíblia, ou seja, que nos voltemos a mensagem que nela há e não a doutrina a qual é interpretada por nós. O Deus que me toca é O que pode ser pensado, jogado contra a parede, moído, questionado e racionalizado. Caso contrário, qual a graça de se ter fé?


Julia Lima